“O advogado não é somente o mandatário da parte, senão também um funcionário do tribunal. À parte assiste o direito de ver a sua causa decidida segundo o direito e a prova, bem como de que ao espírito dos juízes se exponham todos os aspectos do assunto, capazes de atuar na questão. Tal o ministério, que desempenhava o advogado. Ele não é moralmente responsável pelo ato da parte em manter um pleito injusto, nem pelo erro do tribunal, se este em erro cair, sendo-lhe favorável no julgamento. (…) O advogado, pois, que recusa a assistência profissional, por considerar, no seu entendimento, a causa como injusta e indefensável, usurpa as funções, assim do juiz (…)” Sharswood. An Essay on Professional Ethics, apud Rui Barbosa, O Dever do Advogado.
” (…)quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais. (…) Esta segunda exigência da nossa vocação é a mais ingrata. Nem todos para ela têm a precisa coragem. Nem todos se acham habilitados, para ela, com essa intuição superior da caridade, que humaniza a repressão, sem a desarmar. (…)Todos se acham sob a proteção das leis, que, para os acusados, assenta na faculdade absoluta de combaterem a acusação, articularem a defesa, e exigirem a fidelidade à ordem processual. Esta incumbência, a tradição jurídica das mais antigas civilizações a reservou sempre ao ministério do advogado. A este, pois, releva honrá-lo, não só arrebatando à perseguição os inocentes, mas reivindicando, no julgamento dos criminosos, a lealdade às garantias legais, a eqüidade, a imparcialidade, a humanidade. (…) Eis por que, seja quem for o acusado, e por mais horrenda que seja a acusação, o patrocínio do advogado, assim entendido e exercido assim, terá foros de meritório, e se recomendará como útil à sociedade. (…) Há de lhe ser árdua a tarefa. Não vejo na face do crime, cujo autor vai defender, um traço, que destoe da sua repugnante expressão, que lhe desbaste o tipo da refinada maldade. (…) Nem por isso, todavia, a assistência do advogado, na espécie, é de menos necessidade, ou o seu papel menos nobre.” Rui Barbosa. O Dever do Advogado.
A Comissão de Advocacia Dativa da OAB/PR tem entendido como legítima a recusa à nomeação em razão de foro íntimo, entendendo-a como suficiente, quando tempestivamente declarada (o que não se confunde com a inércia e a recusa imotivada) para exonerar a sanção de exclusão da lista de nomeações. Exigir explicitação de motivos, em todas as circunstâncias, poderia, entre outros dissabores e vexames, até impor risco à integridade do advogado. Todavia, essa prerrogativa deve ser manuseada com cautela pela classe, pois, além da previsão do tipo disciplinar de recusa imotivada à nomeação dativa no EOAB, ela enseja prejuízo ao andamento dos processos e um incentivo prático a que os magistrados desrespeitem a lista objetiva (e a Lei que a implantou), nomeando profissionais dos quais esperam a aceitação do encargo.
Os excertos acima, tirados de Rui Barbosa, relembram-nos da essência da nossa profissão, da sua ética peculiar, pilar de nossas prerrogativas e da nobreza do nosso ofício. Não importa quão grave seja a acusação, ou mesmo a certeza da culpa, a defesa é uma servidora do devido processo legal e das garantias individuais, dos direitos humanos.
Os inscritos na advocacia dativa devem ter especial responsabilidade na seleção de suas áreas de atuação. Por exemplo, na Comarca de Curitiba, via de regra recai aos dativos a defesa dos acusados de violência doméstica, permanecendo com a Defensoria Pública a defesa dos interesses da vítima. A recusa imotivada e o foro íntimo constituído de pura repulsa ao fato imputado, ou à posição de acusado, não raro vêm em prejuízo da jurisdição e da própria vítima, com o retardamento do feito. Sem dúvida, trazem nódoa à advocacia, não apenas na dativa, ao frustrar o seu múnus público, essencial à Justiça.
Curitiba, 08 de março de 2021.
João Guilherme Duda
Presidente da Comissão de Advocacia Dativa.